AfetivoA espécie humana é aquela que apresenta a maior variedade de
sentimentos e emoções. Embora alguns indícios de afetividade sejam percebidos
entre os pássaros, mas só começou a evoluir, de fato, a partir dos primeiros
mamíferos, sendo praticamente inexistente em répteis e anfíbios e em todas as
outras espécies que os precederam.Aliás, no dizer de Paul
MacLean, fica difícil imaginar um ser mais solitário e emocionalmente mais
vazio do que um crocodilo. Dois comportamentos, com conotação afetiva, surgidos
com o advento dos mamíferos (os pássaros também os exercem, mas com menor
intensidade), merecem ser destacados, pela sua peculiaridade: o especial e
prolongado cuidado das fêmeas para com seus filhotes e a tendência à
brincadeira. E quanto mais evoluído o mamífero, mais acentuados são esses
comportamentos.Já a ablação de partes
importantes do sistema límbico (as experiências foram feitas com hamsters) faz
com que o animal perca tanto a afetividade maternal quanto o interesse lúdico.
E a evolução dos mamíferos nos traz até o homem: O nosso antepassado hominídeo
certamente diferenciava as sensações que experimentava em ocasiões distintas,
como estar em sua caverna polindo uma pedra, correndo atrás de um animal mais
fraco, fugindo de um animal mais forte ou caçando uma fêmea da sua espécie.Com o desenvolvimento da
linguagem, nomes foram atribuídos a essas e a outras sensações, permitindo sua
delimitação e explicitação a outros membros do grupo. Porém, até hoje, dada a
existência de um componente subjetivo importante, difícil de ser comunicado,
não existe uniformidade quanto à melhor terminologia a ser empregada para
designar essas sensações. Assim é que utilizar, de maneira imprecisa e
intercambiável, quase como sinônimos, os termos afeto, emoção e sentimento.
Entretanto, assim pensamos, a cada uma dessas palavras deve ser atribuída uma
definição precisa, em respeito à etimologia e às diferentes reações físicas e
mentais que produzem. Afeto (do Latim affectus, significando afligir, abalar,
atingir) é definido como sendo "um conjunto de fenômenos psíquicos que se
manifestam sob a forma de emoções, sentimentos ou paixões, acompanhadas sempre
da impressão de prazer ou dor, de satisfação ou insatisfação, agrado ou
desagrado, alegria ou tristeza" , Curiosamente, existe uma tendência
universal para só considerar como afeto (e seus derivados, afetividade,
afeição, etc.) as impressões positivas.Assim, ao se dizer "sinto
afeto por fulana" estou manifestando amor ou carinho; nunca raiva ou medo.
Já em relação às emoções e sentimentos, o uso se aplica nos dois sentidos:
"ela tem bons sentimentos; eu tenho sentido emoções desagradáveis."
No dizer de Nobre de Melo, os afetos designam, genericamente, situações
vivenciadas, sob a forma de emoções ou de sentimentos. Emoções (do Latim
emovere, significando movimentar, deslocar) são como suas próprias etimologias
sugerem, reações manifestadas frente àquelas condições afetivas que, pelas suas
intensidades, mobilizam-nos para algum tipo de ação.Confrontando a opinião de
vários autores, podemos dizer que as emoções se caracterizam por uma súbita
ruptura do equilíbrio afetivo. Quase sempre são episódios de curta duração, com
repercussões leves ou intensas sobre diversos órgãos, criando um bloqueio
parcial ou total da capacidade de raciocinar com lógica. Isto pode levar a
pessoa atingida a um alto grau de descontrole psíquico e comportamental. Por
contraste, os sentimentos são tidos como estados afetivos mais duráveis,
causadores de vivências menos intensas, com menor repercussão sobre as funções
orgânicas e menor interferência com a razão e o comportamento. Exemplificando:
amor, medo e ódio são sentimentos; paixão, pavor e ira são emoções.Existem, ainda, duas condições
bem caracterizadas que de certa forma, estão inseridas no contexto da vida
afetiva posto que, dependendo da intensidade dos afetos, elas podem resultar
destes às vezes, com eles se confundirem. Estamos nos referindo aos distúrbios
do humor, representados pelas depressões e euforias maníacas e a diminuição do
estado de relaxamento mental com reação de alerta, representada pela ansiedade.
Ao longo dos séculos, filósofos, médicos e psicólogos estudaram os fenômenos da
vida afetiva, questionando sua origem, seu papel sobre a vida psíquica, sua
ação favorecedora ou prejudicial à adaptação, seus concomitantes fisiológicos e
seu substrato neuroendócrino. As manifestações afetivas teriam como causa
última, a capacidade da matéria viva de responder a estímulos sobre ela
incidentes. Existem duas teorias clássicas e antagônicas sobre a questão. A
primeira, defendida, por Darwin e seus seguidores, prega que as reações
afetivas seriam padrões inatos destinados a orientar o comportamento, com a
finalidade de adaptar o ser ao meio ambiente e, assim, assegurar-lhe a
sobrevivência e a da sua espécie.Os distúrbios orgânicos que
podem acompanhar o processo seriam apenas uma consequência de natureza
fisiológica. Em oposição, outros, como William James, afirmam que, diante de um
determinado estímulo, real ou imaginado, o organismo reagiria com uma série de
alterações neurovegetativas, musculares e víscerais. A percepção de tais
alterações originária estados afetivos correspondentes. E existe uma terceira
posição, mais moderna, que propõe soluções de compromisso entre as duas teorias
clássicas. É o caso de Lehmann, o qual afirma que o afeto é um fenômeno
complexo, que se inicia por um processo central, a partir de uma causa interna
ou externa. Ele se manifesta como uma alteração do "eu" e pode
desencadear movimentos reflexos faciais e variadas alterações orgânicas.À medida que os sintomas
corporais aumentam de intensidade, o afeto torna-se mais mobilizador e se
define como uma emoção. Esta idéia encontra sustentação na clínica, no
tratamento de pacientes com fobias de desempenho, os quais, diante de situações
que temem (falar em público, por exemplo), apresentam palpitações, suores,
dificuldade de respirar, etc. Betabloqueadores que não atravessam a barreira
hemato-encefálica e, portanto não agem sobre centros cerebrais e sim na
periferia, bloqueando os fenômenos neurovegetativos, "esvaziam" a
ansiedade, permitindo maior controle da fobia.Divergem ainda as opiniões
quanto à relação entre os estados afetivos e a razão. Algumas correntes
filosóficas e religiosas consideram os aspectos afetivos da personalidade como
inferiores, negativos ou pecaminosos, necessitando ser controlados e dominados
pela razão. Ao contrário dos sentimentos, que seriam úteis, permitindo aos
seres humanos estimar o valor das coisas às quais deve adaptar-se, distinguindo
o benéfico do nocivo. As emoções ocorrem precisamente quando a adaptação é
obstaculizada por qualquer motivo. As análises das reações corporais nas
emoções evidenciam, que as pessoas não realizam movimentos adaptativos, mas ao
contrário, reações que lembram instintos primitivos indefinidos. Longe de ser o
lado psíquico de um instinto, a emoção representa uma confusão desse instinto.
Outros autores, porém, consideram as reações afetivas como fatores
favorecedores da adaptação e da sobrevivência, induzindo determinadas condutas
e inibindo outras.Para eles, mesmo emoções
intensas, tidas como desorganizadoras, poderiam favorecer a sobrevivência,
porque a desorganização seria seletiva, eliminando algumas ações, mas
permitindo que outras acontecessem. A nosso ver, quando dentro de determinados
limites, a participação afetiva reforça o componente cognitivo, dando maior
sabor às vivências do cotidiano e facilitando os comportamentos adaptativos.
Contudo, acima do limite, as emoções comprometem a capacidade de raciocínio e,
abaixo, como ressalta Damásio em "O Erro de Descartes", a afetividade
escasseia, empobrecendo a vida.